Outra imagem que gostaria de resgatar por sua força estética é a escultura de um touro bravio, com a aspa encravada no chão, que vi no pátio de uma casa em Porto Alegre. Por várias vezes passei em frente daquela casa para apreciar esta obra de arte. Sempre achei que aquele touro poderia amontoar todas as pedras da calçada com sua cabeça se uma fagulha de vida lhe concedesse movimento. Um dia desses passarei por lá novamente carregando uma máquina fotográfica e assim poderei trazê-lo comigo.
Mas não são somente as imagens e formas que podem nos proporcionar tal sentimento. Por vezes as palavras podem desencadeá-lo por sua força representativa, proporcionando, igualmente, experiências estéticas, mexendo com nossos sentidos. O trecho abaixo da poesia de Castro Alves, extraída do livro "Cachoeira de Paulo Afonso", possui essa força, vejamos:
A CACHOEIRA
Mas súbito da noite no arrepio
Um mugido soturno rompe as trevas...
Titubantes — no álveo do rio —
Tremem as lapas dos titães coevas!...
Que grito é este sepulcral, bravio,
Que espanta as sombras ululantes, sevas?
É o brado atroador da catadupa
Do penhasco batendo na garupa!...
Quando no lodo fértil das paragens
Onde o Paraguaçu rola profundo,
O vermelho novilho nas pastagens
Come os caniços do torrão fecundo;
Inquieto ele aspira nas bafagens
Da negra sucr’ruiúba o cheiro imundo...
Mas já tarde... silvando o monstro voa...
E o novilho preado os ares troa!
Então doido de dor, sânie babando,
Co’a serpente no dorso parte o touro...
Aos bramidos os vales vão clamando,
Fogem as aves em sentido choro...
Mas súbito ela às águas o arrastando
Contrai-se para o negro sorvedouro...
E enrolando-lhe o corpo quente, exangue,
Quebra-o nas roscas, donde jorra o sangue.
Assim dir-se-ia que a caudal gigante
— Larga sucuruiúba do infinito —
Co’as escamas das ondas coruscante
Ferrara o negro touro de granito!...
Hórrido, insano, triste, lacerante
Sobe do abismo um pavoroso grito...
E medonha a suar a rocha brava
As pontas negras na serpente crava!...
Dilacerado o rio espadanando
Chama as águas da extrema do deserto...
Atropela-se, empina, espuma o bando...
E em massa rui no precipício aberto...
Das grutas nas cavernas estourando
O coro dos trovões travam concerto...
E ao vê-lo as águias tontas, eriçadas
Caem de horror no abismo estateladas...
A cachoeira! Paulo Afonso! O abismo!
A briga colossal dos elementos!
As garras do Centauro em paroxismo
Raspando os flancos dos parcéis sangrentos.
Relutantes na dor do cataclismo
Os braços do gigante suarentos
Agüentando a ranger (espanto! assombro!)
O rio inteiro, que lhe cai do ombro.
Grupo enorme do fero Laocoonte
Viva a Grécia acolá e a luta estranha!...
Do sacerdote o punho e a roxa fronte...
E as serpentes de Tênedos em sanha!...
Por hidra — um rio! Por áugure — um monte!
Por aras de Minerva — uma montanha!
E em torno ao pedestal laçados, tredos,
Como filhos — chorando-lhe — os penedos!!!...
Impossível não ver, lendo esses versos, as águas caindo ruidosamente de uma enorme cachoeira e não perceber a força da natureza presente nesta paisagem através da representação da luta do touro/novilho com a serpente.
Enfim, se você chegou até aqui, espero que tenha gostado da visita a este museu. Quem sabe um dia poderei mostrar mais uma de suas alas, mais imagens deste museu imaginário ou museu do imaginário como diria Malraux.
Bibliografia:
ALVES, Castro: Cachoeira de Paulo Afonso. Trecho retirado do Livro dos Nossos Filhos - Enciclopédia para Adolescentes, Vol. III, Ed. Alfa S.A, 1961.
SILVA, Edson Rosa da. O Museu Imaginário e a Difusão da Cultura. Publicado na Revista SemeaR6.